Tudo começou numa semana de maio de 2023. Um cumpadi de outros carnavais passou pela minha linha do tempo, ainda no xuíter, e me perguntou se eu queria um convite pra usar o Bluesky. Nos meus vários verões já passei por muitas redes sociais diferentes. Sou apaixonado por tecnologia e por pessoas, não necessariamente nesta ordem. Não seria capaz de citar nomes de todas, mas lembro claramente o sentimento ruim de participar daquele rolê em especial. Eu estava pronto pra partir e nem mesmo olhar pra trás. E como sei que nem preciso explicar isso aqui, sigo em frente. Mas reitero, queria muito que o xuíter fosse uma dessas redes que experimentei, mas nem lembro o nome.

cartão criado usando dados do bluesky pra comemorar a marca de dez milhões de usuários. fundo branco, logo do aplicativo no topo esquerdo. em destaque #73.356 (número que representa a ordem de criação de perfis na rede). um selo que diz "elder certified bluesky - first 1%". no rodapé o nome de usuário @urubu.bsky.social e o nome da conta "urubu", seguido pela data de criação do perfil: "joined May 12, 2023".

Procurei por conhecidos que já estavam usando aquela rede. Procurei por desconhecidos que eu gostaria de conhecer. Procurei entender do que se tratava aquela nova rede que se dizia tão inovadora. E pouco a pouco eu apostava mais e mais naquela ideia. Bluesky em si nem mesmo era o quente da conversa. "Que maravilha!" Parecia ter encontrado um oásis naquele deserto criado pelos tech bros que mataram a internet na qual eu tinha me criado. Ironicamente, o Bluesky e o Protocolo AT foram catapultados por um dos mais famosos daquele clube. Entre meu apreço por micro blog e uma curiosidade mórbida, sigo nesta rede e confesso que foi muito interessante ver Jack Dorsey "ser saído" da rede por livre e espontânea pressão da comunidade que se formava ali. Matérias rasas e entrevistas diversas falharam em reportar aquele evento curiosíssimo e hoje isso começa a fazer muito sentido na minha cabeça. Mas, longe de mim querer expor quem lê estas linhas ao interior da minha caixola. Não tô escrevendo essa resenha toda pra convidar ninguém pra vir participar do "Car World" (mas ainda vou falar disso, porque tô fascinado com William Banks).

foto de uma pessoa com rosto censurado por um circulo branco, numa rua residencial estadunidense. trajando calça marrom, calçado branco e jaqueta de inverno azul, a pessoa caminha ao longo da rua arrastando uma lixeira verde, diante de uma casa branca com algumas árvores no segundo plano.

foto extraída do blog: 06880 where westport meets te world https://06880danwoog.com/2023/12/30/brazen-israel-flag-thefts-stun-neighborhood

Como é de costume contemporâneo a rede promissora estava passando por dificuldades mesmo antes de eu entrar. Mas eu não me refiro a dificuldades financeiras, jurídicas ou administrativas. Aparentemente isso tudo estava indo de vento em popa. Estou me referindo ao fato de que Jack "foi saído" por usuários que se recusaram a ter que conviver com argumentos e comportamentos que poderiam ser no mínimo considerados desnecessários, mas que por vezes eram supostamente repudiáveis. Como eu tinha acabado de chegar na rede, entender aquele emaranhado de postagens não aconteceu rapidamente. Inclusive, reza a lenda que na vila não se deve pedir explicação das postagens. O modus operandi de um morador da vila é ler a postagem, o alt text e puxar fios que desenrolam o novelo do entendimento. Fiz o esforço e naquela aventura comecei a perceber que a esperança que eu havia depositado ali só não seria desperdiçada, porque alguém faria uso da minha participação. Quem sabe alguém lendo estas linhas perceba que o bluesky pode estar valendo aproximadamente setecentos milhões de dólares. Sim... setecentos milhões, sem nenhum anúncio comercial e sem ferramentas nativas no aplicativo "guarda-chuva" que evidenciem o potencial de uma campanha publicitária pra além de número de seguidores e curtidas.

Apesar de toda promessa do protocolo AT, a rede segue dependente do Bluesky. Diversas ferramentas apresentam recursos muito mais interessantes que o próprio aplicativo, mas o momento levanta questões importantes sobre a "federação" proposta pela CEO. Modelo estrutural este que é defendido a unhas e dentes num comportamento de manada que recentemente incomodou muito uma grande quantidade de perfis. Foi de desdém a banimento de usuários importantes para a comunidade. Link, que continua sem acesso até o momento, provavelmente não vai mais poder usar o aplicativo. Apesar do potencial de seu "retorno" através do Blacksky, fico me perguntando até que ponto a responsabilidade dos usuários se transforma num cheque em branco semelhante ao voto nas democracias representativas como o Brasil e aquele país que não tem nome. Até porque, essas redes por vezes acumulam mais poder no cenário mundial do que muitos países pelo globo e não me venha com terraplanismo. Antes da internet 2.0, poucas pessoas teriam vontade de usar um chapéu de alumínio, muito menos pelas ruas.

Ainda não me sinto pronto pra jogar a toalha e deletar minha conta, mas já percebi algumas coisas que estavam longe do meu entendimento sobre esta rede. Por isso resolvi comprar essa briga internamente, no sentido de me desafiar a ter uma consciência mais complexa e aprofundada sobre a questão. Além de conversar sobre isso com quem estiver afim de conversar a respeito. Afinal de contas, era isso que me interessava na ideia inicial de micro blog. Uma conversa horizontal que, diferente do showbiz que virou rede social nos últimos anos, tinha um potencial realmente democrático. Talvez eu seja simplesmente um dos últimos românticos, como diz um amigo... talvez eu seja simplesmente um iludido. Mas a minha experiência anedótica me informa e só posso me esforçar pra não resumir minha visão de mundo a essa amostra extremamente limitada e nada confiável. Por outro lado, confio no meu taco e acho que vou dormir tranquilo com isso.

Por enquanto, é importante notar que o Bluesky que conhecemos como aplicativo é quem manda no rolê. Aparentemente alguns aplicativos já são capazes de armazenar todos os dados e praticamente se tornarem completamente independentes do Bluesky. Essa independência no entanto, pode não ser o suficiente. Isso porque pra manter uma infraestrutura que lide com um tráfego grande de usuários não é tarefa simples, nem barata. Sem falar que como "dono do rolê", mesmo quem estiver usando o protocolo AT em instâncias independentes do bluesky vai ter que resolver questões como espaço em servidores para armazenar os dados depositados por cada usuário. Desconsiderando vídeos e até mesmo imagens, esse problema pode revelar uma atual incapacidade de experimentarmos uma rede realmente democrática. E digo isso sem querer fazer crítica alguma a qualquer aplicativo que esteja sendo desenvolvido usando o protocolo. Simplesmente porque reunir pessoas e fazer coisas boas não é uma tarefa celebrada com frequência numa sociedade que é assolada pelo crescimento infinito do capitalismo tardio. E eu nem mesmo toquei nas questões mais profundas a respeito do protocolo em si.

O desenvolvedor do Deck.Blue teceu um fio muito bom sobre o comportamento da equipe do bluesky e o Rudy, afim da revolução, foi além e desmistificou o atual impasse. Acontece que por mais que meu santo bata com o destas pessoas e que eu acredite no trabalho deles, existe uma dimensão desta situação que precisa ser explorada e resolvida entre nós. Existe um pacto social que surge na coexistência e supostamente estamos todos condicionados a tal, apesar de nem sempre o vermos na prática. Vivemos dias em que usuários habitam o limbo entre serem produtos e clientes destas empresas que com tanta frequência traem o interesse comum em prol do lucro de poucos. Esse espaço tá com um cheiro horrível nestas ultimas semana e eu queria poder dizer que foi simplesmente porque a CEO é uma pessoa desprezível que se equiparou ao kiko do foguete. Mas o problema é muito maior e muito mais profundo. Tanto que a falta de tato foi evidenciada não somente por ela mas por membros do time que os usuários veneraram por muito tempo, e aparentemente tiveram queda vertiginosa em seu prestígio por toda a rede.

Talvez a moral da história aqui seja simplesmente "não dá pra botar fé em CEO". Talvez o ponto fundamental aqui nem mesmo seja rede social, mas uma oportunidade para refletirmos sobre como cada vez que nos agrupamos sob a tutela de alguém acabamos por nos sujeitar à luz e à sombra delas. E do auge do meu autoconhecimento eu confesso ter dificuldade de lidar com as minhas, quanto mais com as de outrem. Organizações plurais e horizontais existem e muitas delas são muito inspiradoras pra mim. Sair do meu mundinho me permitiu me conhecer muito melhor do que daqui de dentro de um cômodo entre quatro paredes. Sabe aquela ideia do astronauta que aprendeu a admirar o nosso pálido pontinho azul depois de o observar do espaço? E isso tudo que eu tô falando aqui pode ser só uma resenha que eu escrevi pra mim mesmo, na tentativa de navegar livre de cookies e de moderação opressiva. Mas suspeito que essa prosa está longe de acabar. Temo que guinadas obtusas pra além de comportamento, que nem mesmo deveriam me surpreender, ainda vão despontar como se ninguém pudesse imaginar.

Agora, nada tira da minha cabeça que a questão possa ser resolvida de diferentes formas e relativamente rápido. Melhor ainda se forem simultâneas. Claramente uma legislação simples e robusta (o exato oposto de um TdS padrão, se é que você me entende) que não deixe tecnocratas correrem soltos dificultando eleições, sabotando soberanias, destruindo mercados e comunidades inteiras. Se você me ler aqui, pergunte-se quantas pessoas que você conhece que perderiam suas receitas se não pudessem usar o instagram ou o whatsapp. Esse fato é simplesmente assustador e pouco discutido. Outra coisa é conversarmos cada vez mais entre nós mesmos, com seriedade, com paixão e com carinho pra que simplesmente a nossa presença já seja a demanda por redes melhores. Que ecoem as comunidades e não os interesses de um grupo que mente, ilude e desinforma de acordo com a conveniência deles, a despeito das vidas que são impactadas por suas ações.

E se você chegou até aqui, eu fico muito feliz. Adoro conversar e vou aguardar ansiosamente pelo seu retorno, caso queira render essa prosa. Já passou da hora de não termos que ficar esmiuçando termos de serviço, direitos do consumidor, ou legislação como se fossem línguas que a gente não sabe falar. O que a gente precisa é de esclarecimento, boa vontade, oportunidade pra que se prolifere o que a gente tem de melhor. Que viver e deixar viver seja a norma.

uma foto minha, em cores. um céu completamente azul e uma palmeira no canto.